20.2.13

                          "NÓIS SOFRE, MAS NÓIS GOZA"

                Tarcísio Pereira, o grande livreiro do Recife, não joga a toalha nunca. E por que teria de jogar?  Agora, no Carnaval de 2013, novamente, colocou o bloco “Nóis Sofre , mas Nóis Goza”  na rua, mais especificamente na Rua Sete de Setembro , no Recife.  ( Vejam a fotografia)

                O Nóis Sofre... surgiu na década de 1970, mais especificamente em 1976.  Apareceu do nada, geração absolutamente  espontânea, diriam os “biólogos do Carnaval”.

A Livro Sete, que naquele ano funcionava num casarão  branco  na rua homônima, era o ponto de encontro e de alívio intelectual, sempre a partir de 16 horas. “Gente da melhor qualidade” – na gíria de então- reunia-se ali no casarão  para saber das novidades literárias, das prisões ocorridas, da nova edição do jornal Opinião e, como sempre, para fofocar... Parece que, numa dessas tardes, uma parte desses assíduos frequentadores perguntou a Tarcísio se ele toparia fazer um “bloco de sujos”, que sairia do Casarão até o Pátio de São Pedro, mas sem orquestra de frevo sem nada. O toque seria apenas de latas...  Mas, como se chamaria esse “bloco”?

                Contou-me José Mário Rodrigues, o poeta que Ângelo Monteiro chamava de “ O Incomensurável”, que certa vez, indo para Itamaracá, num ônibus que saía de hora em hora, de uma parada à beira do rio Capibaribe, sempre lotadíssimo, observou uma cena e ao final colocou no seu inseparável “caderninho de anotações poéticas”. A cena: duas mulheres, bem populares e gordas, estavam em pé, naquela “lata de sardinhas Coqueiro”. Quando passava algum passageiro para descer, obrigatoriamente aquelas senhoras eram comprimidas contra as cadeiras ou o ombro do passageiro que estava sentado.  Durante  várias vezes, a cena repetiu-se. E aí, subitamente, uma das mulheres virou-se para outra e disparou esta: “Neguinha, que aperto da gota serena!” E a outra prontamente respondeu: “E´mermu!  Mas, nóis sofre, neguinha, mais nóis goza.”

                Estava ali, naquele curto diálogo inusitado, o título do “Bloco de Tarcísio”, como ainda hoje é conhecido.  Naquela frase-título havia muita ironia, inclusive para os tempos de sofrimento pelo qual passavam os intelectuais pernambucanos naquela fatídica década. Sofrimento o ano inteiro, com perseguições, prisões, censura, proibições diversas, mas gozo no sábado de Zé Pereira, pelas ruas do Recife. ( "Mas é Carnaval, não me diga mais quem é você...!", cantávamos)

                Vi o segundo “desfile” do Nóis Sofre... Lembro de algumas coisas que ocorreram na “concentração” do Bloco no casarão branco. Duas dessas coisas ressaltaria aqui. A primeira foi a confecção do “estandarte”,cujo desenho foi feito, na hora, pelo artista plástico Cavani Rosas. A segunda, o prof. sempre sisudo, Josemir Camilo- atualmente lotado na UFPB/Campina Grande- carregando, e fazendo “acrobacias” pelas ruas, o estandarte improvisado.  Tomei muita cerveja naquele sábado de 1977 e esqueci dos outros detalhes. Quando lembrar desses “outros detalhes” continuarei  essa quase  crônica...

Nesta última foto, estou "marcando presença" em 2013 . Neste ano, o bloco homenageou o Grande Brasileiro Joaquim Barbosa, conforme pode ser visto na foto acima.
Na primeira foto, meus amigos Lúcia Cristina ( geógrafa) e Gilberto ( professor). Eles não perdem um só desfile. Vão até de maca...

Um comentário:

Lucia Cristina Santos disse...

Caro Lucivânio,
Foi com alegria e melancolia que li este texto sobre o "Nóis sofre mais nóis goza". Alegria por estarmos juntos mais uma vez respondendo a caderneta de chamada dos "vivos" que ainda prestigiam o Bloco de Tarcísio, o Bloco do Livro7 e também por estar erguendo o seu Estandarte.
Melancolia porque ao falar dessa livraria vem junto uma saudade danada daquela época, embora muito sombria e dolorosa, em razão do período da ditadura militar, mas que felizmente se tinha um refúgio cultural e de descontração naquele casarão da 7 de setembro.
Era uma senhora Livraria, a melhor de todas! Espaço agradável onde estudantes,professores e intelectuais,tinham acesso aos mais importantes títulos que atendessem aos seus interesses e formação. As pessoas passavam, compravam livros, algumas liam durante o dia e dias nas dependências da livraria, outras levavam "emprestado" para lerem em casa. E o livreiro Tarcísio sempre com o seu sorriso cativante recebendo a todos com a mesma atenção.
Após as consultas e compras nada melhor do que uma boa conversa e uma cerveja gelada no bar contíguo à mesma. Espaço arborizado com suas mesinhas dispersas sobre pedrinhas que rolavam soltas ao nosso caminhar.
Quanta saudade...Ainda bem que o "Nóis sofre mais nóis goza" continua resistindo. Até a próxima concentração do Bloco. Espero estar presente em 2014.
Abraços, Lucia Cristina