4.5.08

A GRANDE CIDADE E O MAR

Lucivânio Jatobá



Era uma tarde de julho. Uma tarde chuvosa, como eu nunca havia visto. Nuvens carregadas insistiam em impedir o Sol de brilhar...
O caminhão, meio velho, acabara de chegar. As coisas estavam todas encaixadas e logo a mudança se faria completa. A estrada nos esperava. A estrada desembocaria na grande cidade, onde, me disseram os colegas de escola, havia o mar. O mar e seus encantos. O mar, verde mar! O mar . doce sonho infantil...
Rapidamente, os móveis foram sendo, um a um, colocados no velho caminhão. A radiola do bar da frente tocava um samba-canção de Nelson Gonçalves. Em mim a expectativa de conhecer a grande cidade, onde edifícios substituíam serras, colinas e planaltos, tornava o momento da partida algo alegre. Não haveria , naquela distante cidade, a Ororobá, mas prédios imensos, de onde, do topo, viam-se minúsculas criaturas e carros, que encolhiam, como miniaturas...
E aquela música- “ Boneca de trapo/ pedaços da vida/ que vive perdida no mundo a rolar...”-, vim saber, bem depois, era o réquiem do menino do Agreste, que migrara para a cidade grande...
“ Boneca de trapo/ pedaço da vida...” A música insistentemente era repetida, escutada por mim e pelos bêbados retardatários...
Tudo estava pronto para a longa viagem. Nem houve tempo para abraçar meus amigos, meninos como eu, que pegavam passarinho na várzea, que jogavam bolinhas de gude, olho de gato, no terreno arenoso da rústica praça... Não houve tempo para a tão necessária despedida de um afastamento que seria irremediavelmente para sempre...
Mas houve tempo para sentir o vento úmido molhado bater-me na face. Houve tempo para sonhar com os edifícios, o grande “rio” salgado...
A cidade grande, muitas horas depois, despontou imensa à minha frente!
E não vi mar! Uma selva de concreto era divisada de uma colina que precedia a entrada daquele espaço urbano. Havia um engarrafamento de trânsito, um barulho infernal e pessoas apressadas, que não se cumprimentavam. Não consegui enxergar várzeas, passarinhos, terrenos arenosos para jogar bolinhas de gude, pessoas sentadas em cadeiras de balanço, conversando sobre o cotidiano, nem uma bodega onde minha mãe pudesse comprar fiado, usando uma cadernetinha de espiral e capa dura e a honestidade...
Um Sertão sem fim fez-se imenso, de súbito. E o mar? Onde estava o mar, verde mar?
Depois de quase um mês que cheguei àquele lugar sonhado, com minha família, fui conhecer o mar. No caminho, um atropelamento. Alguém tinha sido triturado por um caminhão de lixo. Pessoas riam, até, olhando o morto estirado na avenida. Alguém, num jipe, gritou: “tirem esse desgraçado daí, preciso chegar logo ao trabalho!”
Aquela cena dantesca afundou-me... pois estava acostumado a ouvir os sinos tristemente repicando , na matriz, quando alguém morria.
Mas daqui a alguns minutos estaríamos no “rio” salgado!
E chegamos, finalmente, naquele espaço arenoso que sofria o embate das ondas!
Minha mãe fizera um almoço para comermos na praia...
Não houve recepção à nossa chegada... Apenas escutei, de uma moça de maiô,que estava de lado, a frase: ‘já estão chegando os “farofeiros”.
Olhei o mar. Às minhas costas estavam edifícios. Aquilo tudo me deixara tonto. Quis ver Ororobá, os pássaros na várzea, os meus amigos, a minha escola, a praça da Matriz... Uma saudade dilacerava-me...
Não havia mais Ororobá, pássaros na várzea, meus amigos...
E um Sertão imenso tomou conta de minha mente, para sempre.
Era sepultado ali o menino interiorano que queria ver a cidade grande e o mar.

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